terça-feira, 23 de setembro de 2008

War Zone

Autocarro? Nem pensar! O próprio ressoar da palavra ônibus carrega a imagem dos assaltos e dos raptos, da violência à brasileira, universalmente reconhecida como certa, assim se ponha o pé na rua.

E as pessoas esforçam-se que já "conhecem" o Brasil esforçavam-se por não transmitir a imagem de que passar esse tempo todo lá é não menos do que o sinónimo de violação garantida. Alguém havia de lhes ter explicado que a melhor maneira de fazer uma pessoa não olhar para uma coisa é dizer "não olhes". Alguém havia de lhes ter mostrado que o racismo se manifesta melhor quando se diz "não se ter qualquer problema com o facto de uma pessoa ser preta".

Mais, diziam que eu escusava de me preocupar, que andasse tranquilo, mas que "soubesse que nestas coisas...", que "acontece a todos e é sempre preciso ter cuidado", sem muito bem precisar que "cuidados" seriam esses.
Alguém havia de lhes ter dito que a intranquilidade se transmite melhor desejando calma.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Here we go again

No taxi. Os olhos fixados no horizonte. A tentar perceber da enormidade do passado com que cores se pintariam as enormidades do futuro.
Nada de muito original.

De repente, um reflexo condicionado rapta a minha atenção:
- 9 horas, as notícias. Uma criança de 4 anos foi encontrada morta à porta do seu prédio. Suspeita-se que tenha sido lançada do 6º andar, onde vivia com os pais e dois irmãos.
- Será possível?, pergunta o taxista. Você acha que foram os pais? Que gênero de gente poderia fazer isso a uma criança?

Nada de muito original.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Coxinha - Rituais para uma rotina

Tem os "viajantes" a pretensão de quebrarem rotinas, de buscarem incessantemente o original. Quem o fizer em português tem ainda para mais a incumbência de responder pela tradição dessa geração fortunata, a última a viver a experiência de uma viagem com destino desconhecido. Pois com esses tempos passados, essa geração e esse momento mortos, morreu com eles a originalidade dos "viajantes".

Da minha parte, a originalidade é tanto menor quanto vejo repetirem-se gestos e vontades em cada viagem que faço que criam um padrão, nada menos que uma dessas famigeradas rotinas. É a minha tentativa meio desesperada, meio desastrada, de emprestar significados.

Uma dessas rotinas estabalece-se logo à chegada ao aeroporto. O Papa anterior gostava de beijar o chão em sinal de bênção; eu cá, que não acredito nessas superstições obscurantistas mas no primado da higiene, dispenso o contacto labial directo. Em vez disso, de chegada ao Brasil, tentei fazer alguma coisa que, na minha olímpica ignorância, parece-se muito típica e, como tal, significativa... e mandei vir uma coxinha, com mostarda e tudo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

(re)comecinho

Já dizia a velha raposa, Giovanni Trapattoni, que os treinadores de futebol são como os peixes: passado algum tempo começam a cheirar mal. Sem desprimor (como se tal fosse possível depois de uma citação tão vil), é mais ou menos isso que eu acho de cada um dos lugares onde já vivi; concerteza não menos este onde estou agora, a que dão o nome de casa.

Vejo pois chegada a hora de fazer o registo do que vivi na minha última viagem, quem sabe a preparar a próxima. Fá-lo-ei sob a forma de memórias por duas ordens de razões:
- Em primeiro lugar porque não tratei de contar o que se me passava enquanto estava lá e não me sobra agora senão a memória de um romance. Isto que não se veja como uma limitação.
- Em segundo lugar porque não há melhor forma de honrar o português do Brasil do que falar dele, e às vezes nele, sob a forma de uma memórias que, se não são póstumas, pelo menos já começam a cheirar mal.